PODE O CAPITALISMO SER ÉTICO, JUSTO E NATURAL?
O economista Ludwig von Mises, expoente maior da Escola Austríaca, rejeitando as teorias marxistas da luta de classes e da exploração do proletariado pela burguesia, afirmava que, para explicar a evolução, organização e funcionamento das sociedades humanas, era preciso observar o comportamento dos seres (não apenas humanos) vivos e a partir daí inferir conclusões axiomáticas. A principal conclusão a qual chegaríamos, segundo Mises, seria a de que todo ser vivo procura obter o máximo de benefício com o mínimo de esforço.
Influenciando por Mises, Richard Pipes, outro crítico de Marx, afirmou em defesa da propriedade privada que o marxismo deseja abolir, que “todas as criaturas vivas, das mais primitivas às mais avançadas, para sobreviver, devem ter o acesso ao alimento garantido e, para assegurar esse acesso, reivindicam a posse do território”. Confunde, propositalmente e desonestamente, os conceitos de território e propriedade. Ambas as teses são herdeiras do hedonismo de Aristipo de Cirene e Julien Offray de La Mettrie, do utilitarismo de utilitaristas Jeremy Bentham, Henry Sidgwick e Stuart Mill, e se irmanam a todos os discursos que defendem o Capitalismo alegando que seria uma expressão legítima na natureza humana.
A noção de seria a de que todo ser vivo procura obter o máximo de benefício com o mínimo de esforço, apesar de não ser falsa, tampouco é absoluta, pode ser facilmente refutada tanto pela observação do comportamento de determinados animais, quanto pelo comportamento humano. O urso panda, por exemplo, é uma das espécies mais ameaçadas de extinção e uma das causas é a sua dieta extremamente restrita e seletiva. De todas as espécies de plantas e outros seres vivos disponíveis como alimento nas florestas da Ásia Central - região natural de ocorrência desta espécie - ele recorre apenas ao bambu (cuja digestão é lenta, além de ser pobre em nutrientes) como fonte de alimento.
O ser humano, por sua vez, especialmente quando inserido dentro do Capitalismo, desenvolveu hábitos e comportamentos que contrariam totalmente a noção de esforço mínimo em troca do máximo de benefício. Isso fica evidente quando vemos milhares de pessoas pagando caro em produtos como celulares, roupas, sapatos e até automóveis, não por necessidade, mas apenas por status social. O desejo de possuir e ostentar determinados produtos de determinadas marcas (Apple, Colcci, BMW, etc) faz com que os gastos deixem de ser medidos com base na relação entre benefício e esforço.
Na grande maioria desses casos, o benefício obtido com a compra do produto é inferior ao esforço empregado para acumular o montante necessário para pagá-lo. Não faz sentido, portanto, dizer que alguém que trabalhou 8 horas por dia durante um mês para receber um salário de pouco mais de R$1.200,00 decida comprar um celular de quase R$2.000,00, venha a concluir que esforço empregado será menor que os benefícios obtidos. Para estas pessoas, a relação esforço-benefício tem importância secundária, frente ao desejo de, por meio do consumo, assumir um papel de destaque (mesmo que ilusório) dentro da sociedade capitalista globalizada.
Os liberais da Escola Austríaca ignoram que, além dos fatores como oferta e demanda/procura, há outro, surgido no capitalismo, que cada vez mais molda os dois anteriores: este fator é a publicidade, o marketing, a propaganda. Por meio de técnicas, táticas e estratégias que se valem até mesmo da psicologia, publicitários e marketeiros convencem as pessoas, por meio das propagandas, de que elas precisam adquirir determinados produtos para serem felizes, para serem aceitas, para serem vistas, para serem desejadas, para serem respeitadas. No capitalismo (liberal ou keynesiano) a principal identidade do homem é a de consumidor.
Quanto a Pipes, outro erro grosseiro cometido por ele em sua defesa da propriedade privada é, além de confundir as noções de propriedade e território, não ser capaz de distinguir, na natureza, o que é coletivo do que é privado. Animais de hábitos solitários e individualistas, como tigres, ursos, onças e elefantes machos, demarcam um território para si, dentro do qual obterão para si o necessário para a sobrevivência. No entanto, outras espécies, como abelhas,golfinhos, lobos, hienas, zebras, gnus, alpacas, camelos, lhamas, elefantes fêmeas e nossos parentes mais próximos, os primatas como gorilas e macacos bonobos, são gregários, ou seja, vivem em grupos, e compartilham coletivamente o controle, os benefícios e sua defesa. Felinos como tigres demarcam territórios para caça, tão somente, e só entram em conflito quando outro predador (não necessariamente da mesma espécie) invade-o, mas não impedem que outras espécies habitem o mesmo local, nem controlam as reservas de água, minerais, frutos e madeira ali contidos.
Foram nos espaços coletivos, como a ágora grega, os portos, as praças, o Liceu, a Academia, as escolas e universidades, e também nos encontros e nas trocas, propiciados pelo deslocamento de viajantes, exploradores e mercadores, que a sociedades humanas floresceram. É consenso entre historiadores, antropólogos, filósofos e sociólogos que o ser humano é um animal social. Nossa espécie sobreviveu, evoluiu e prospero justamente por sua capacidade de viver em sociedade e cooperar, não pelo seu individualismo.
A visão que os Liberalistas tem da natureza é aquela na qual só existem espécies não-gregárias nas quais o macho é o dominante. Ignoram a existência de espécies gregarias e coletivistas lideradas por fêmeas-alfa, como elefantes, hienas e abelhas. Por isso reivindicam para seu modelo econômico uma suposta naturalidade que nada mais é do sua versão patriarcal da natureza. Aliás, essa visão Liberal da natureza, criada para sustentar a ideia de que o Capitalismo seria a expressão da natureza humana, assim como essas conceituações que separam conceitos como igualdade e vontade em dualismos como substancial e essencial, objetivo e subjetivo, parecem ser herdeiras daquele Socialismo Pequeno-burguês do qual Marx e Engels falavam em O Manifesto Comunista.
Segundo Ludwig von Mises, a liberdade seria a finalidade ou objetivo de toda ética humana que se pretendesse não contraditória. Desse modo, qualquer sistema político e econômico que negue ou limite a liberdade individual não poderia ser ético, de modo que o Liberalismo seria o sistema mais ético dentre todos os possíveis e que uma sociedade carente de liberdade seria uma sociedade abundante em contradições.
Mises presume, como dito acima, que há uma lei que rege o comportamento de todos os seres vivos, incluindo o homem, que seria aquela segunda a qual cada um procura o máximo de benefício com um mínimo de esforço. Segundo Mises, no caso particular do homem, esse benefício poderia ser a acumulação de capital, riquezas, propriedades, enquanto o esforço corresponderia ao dinheiro gasto para obtê-los, para assim justificar o livre-mercado.
O que Mises conclui é que por este motivo o Capitalismo Liberal seria o mais natural, o mais ético e, portanto, o mais justo dentre todos os sistemas político-econômicos possíveis. Considerando a crítica já feita por mim anteriormente sobre a conclusão de Mises sobre a relação entre benefício e esforço na natureza humana, bem como a própria visão de Mises sobre a natureza e o ser humano, passo agora a me concentrar em outros pontos aqui levantados.
Ora, se, para Mises o Capitalismo Liberal seria o mais natural, porque ele seria o que permite que, com mais liberdade, que cada indivíduo tenha a possibilidade de obter o máximo de benefício com o mínimo de esforço, logo ele permite que alguns indivíduos usem o esforço (como, por exemplo, o trabalho) de outros, conservando o seu, para obter mais e mais benefícios (como, por exemplo, riquezas). E se no Capitalismo Liberal pleno ou ideal a liberdade é tal que não há um Estado suficientemente forte para mediar a relação entre o que usa o trabalho alheio para obter riquezas e aquele que é explorado por ele, logo esse sistema permite a exploração de um indivíduo por outro, o que necessariamente o torna anti-natural, injusto e anti-ético.
O liberalismo e o neoliberalismo tem a pretensão de basear-se na natureza, principalmente a humana, para fundar suas bases, no entanto, sua visão acerca do homem (encarado como um ser individualista, hedonista e utilitarista) e da natureza (vista como selvagem, cruel, impiedosa, competitiva, da qual o Capitalismo e o Livre Mercado seriam a perfeita expressão) é equivocada e limitada.
Influenciando por Mises, Richard Pipes, outro crítico de Marx, afirmou em defesa da propriedade privada que o marxismo deseja abolir, que “todas as criaturas vivas, das mais primitivas às mais avançadas, para sobreviver, devem ter o acesso ao alimento garantido e, para assegurar esse acesso, reivindicam a posse do território”. Confunde, propositalmente e desonestamente, os conceitos de território e propriedade. Ambas as teses são herdeiras do hedonismo de Aristipo de Cirene e Julien Offray de La Mettrie, do utilitarismo de utilitaristas Jeremy Bentham, Henry Sidgwick e Stuart Mill, e se irmanam a todos os discursos que defendem o Capitalismo alegando que seria uma expressão legítima na natureza humana.
A noção de seria a de que todo ser vivo procura obter o máximo de benefício com o mínimo de esforço, apesar de não ser falsa, tampouco é absoluta, pode ser facilmente refutada tanto pela observação do comportamento de determinados animais, quanto pelo comportamento humano. O urso panda, por exemplo, é uma das espécies mais ameaçadas de extinção e uma das causas é a sua dieta extremamente restrita e seletiva. De todas as espécies de plantas e outros seres vivos disponíveis como alimento nas florestas da Ásia Central - região natural de ocorrência desta espécie - ele recorre apenas ao bambu (cuja digestão é lenta, além de ser pobre em nutrientes) como fonte de alimento.
O ser humano, por sua vez, especialmente quando inserido dentro do Capitalismo, desenvolveu hábitos e comportamentos que contrariam totalmente a noção de esforço mínimo em troca do máximo de benefício. Isso fica evidente quando vemos milhares de pessoas pagando caro em produtos como celulares, roupas, sapatos e até automóveis, não por necessidade, mas apenas por status social. O desejo de possuir e ostentar determinados produtos de determinadas marcas (Apple, Colcci, BMW, etc) faz com que os gastos deixem de ser medidos com base na relação entre benefício e esforço.
Na grande maioria desses casos, o benefício obtido com a compra do produto é inferior ao esforço empregado para acumular o montante necessário para pagá-lo. Não faz sentido, portanto, dizer que alguém que trabalhou 8 horas por dia durante um mês para receber um salário de pouco mais de R$1.200,00 decida comprar um celular de quase R$2.000,00, venha a concluir que esforço empregado será menor que os benefícios obtidos. Para estas pessoas, a relação esforço-benefício tem importância secundária, frente ao desejo de, por meio do consumo, assumir um papel de destaque (mesmo que ilusório) dentro da sociedade capitalista globalizada.
Os liberais da Escola Austríaca ignoram que, além dos fatores como oferta e demanda/procura, há outro, surgido no capitalismo, que cada vez mais molda os dois anteriores: este fator é a publicidade, o marketing, a propaganda. Por meio de técnicas, táticas e estratégias que se valem até mesmo da psicologia, publicitários e marketeiros convencem as pessoas, por meio das propagandas, de que elas precisam adquirir determinados produtos para serem felizes, para serem aceitas, para serem vistas, para serem desejadas, para serem respeitadas. No capitalismo (liberal ou keynesiano) a principal identidade do homem é a de consumidor.
Quanto a Pipes, outro erro grosseiro cometido por ele em sua defesa da propriedade privada é, além de confundir as noções de propriedade e território, não ser capaz de distinguir, na natureza, o que é coletivo do que é privado. Animais de hábitos solitários e individualistas, como tigres, ursos, onças e elefantes machos, demarcam um território para si, dentro do qual obterão para si o necessário para a sobrevivência. No entanto, outras espécies, como abelhas,golfinhos, lobos, hienas, zebras, gnus, alpacas, camelos, lhamas, elefantes fêmeas e nossos parentes mais próximos, os primatas como gorilas e macacos bonobos, são gregários, ou seja, vivem em grupos, e compartilham coletivamente o controle, os benefícios e sua defesa. Felinos como tigres demarcam territórios para caça, tão somente, e só entram em conflito quando outro predador (não necessariamente da mesma espécie) invade-o, mas não impedem que outras espécies habitem o mesmo local, nem controlam as reservas de água, minerais, frutos e madeira ali contidos.
Foram nos espaços coletivos, como a ágora grega, os portos, as praças, o Liceu, a Academia, as escolas e universidades, e também nos encontros e nas trocas, propiciados pelo deslocamento de viajantes, exploradores e mercadores, que a sociedades humanas floresceram. É consenso entre historiadores, antropólogos, filósofos e sociólogos que o ser humano é um animal social. Nossa espécie sobreviveu, evoluiu e prospero justamente por sua capacidade de viver em sociedade e cooperar, não pelo seu individualismo.
A visão que os Liberalistas tem da natureza é aquela na qual só existem espécies não-gregárias nas quais o macho é o dominante. Ignoram a existência de espécies gregarias e coletivistas lideradas por fêmeas-alfa, como elefantes, hienas e abelhas. Por isso reivindicam para seu modelo econômico uma suposta naturalidade que nada mais é do sua versão patriarcal da natureza. Aliás, essa visão Liberal da natureza, criada para sustentar a ideia de que o Capitalismo seria a expressão da natureza humana, assim como essas conceituações que separam conceitos como igualdade e vontade em dualismos como substancial e essencial, objetivo e subjetivo, parecem ser herdeiras daquele Socialismo Pequeno-burguês do qual Marx e Engels falavam em O Manifesto Comunista.
Segundo Ludwig von Mises, a liberdade seria a finalidade ou objetivo de toda ética humana que se pretendesse não contraditória. Desse modo, qualquer sistema político e econômico que negue ou limite a liberdade individual não poderia ser ético, de modo que o Liberalismo seria o sistema mais ético dentre todos os possíveis e que uma sociedade carente de liberdade seria uma sociedade abundante em contradições.
Mises presume, como dito acima, que há uma lei que rege o comportamento de todos os seres vivos, incluindo o homem, que seria aquela segunda a qual cada um procura o máximo de benefício com um mínimo de esforço. Segundo Mises, no caso particular do homem, esse benefício poderia ser a acumulação de capital, riquezas, propriedades, enquanto o esforço corresponderia ao dinheiro gasto para obtê-los, para assim justificar o livre-mercado.
O que Mises conclui é que por este motivo o Capitalismo Liberal seria o mais natural, o mais ético e, portanto, o mais justo dentre todos os sistemas político-econômicos possíveis. Considerando a crítica já feita por mim anteriormente sobre a conclusão de Mises sobre a relação entre benefício e esforço na natureza humana, bem como a própria visão de Mises sobre a natureza e o ser humano, passo agora a me concentrar em outros pontos aqui levantados.
Ora, se, para Mises o Capitalismo Liberal seria o mais natural, porque ele seria o que permite que, com mais liberdade, que cada indivíduo tenha a possibilidade de obter o máximo de benefício com o mínimo de esforço, logo ele permite que alguns indivíduos usem o esforço (como, por exemplo, o trabalho) de outros, conservando o seu, para obter mais e mais benefícios (como, por exemplo, riquezas). E se no Capitalismo Liberal pleno ou ideal a liberdade é tal que não há um Estado suficientemente forte para mediar a relação entre o que usa o trabalho alheio para obter riquezas e aquele que é explorado por ele, logo esse sistema permite a exploração de um indivíduo por outro, o que necessariamente o torna anti-natural, injusto e anti-ético.
"As expressões de vontade da burguesia revolucionária francesa significavam, aos seus olhos, leis da vontade pura, da vontade como ela deve ser, da verdadeira vontade humana" [ENGELS, Friederich e MARX, Karl. O Manifesto Comunista. Rio de Janeiro: Contraponto, 1998, pág. 33]
O liberalismo e o neoliberalismo tem a pretensão de basear-se na natureza, principalmente a humana, para fundar suas bases, no entanto, sua visão acerca do homem (encarado como um ser individualista, hedonista e utilitarista) e da natureza (vista como selvagem, cruel, impiedosa, competitiva, da qual o Capitalismo e o Livre Mercado seriam a perfeita expressão) é equivocada e limitada.
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